Justiça admite uso de seguro para garantir execução fiscal
Uma empresa de grande porte conseguiu uma autorização do Poder Judiciário para oferecer uma apólice de seguro-garantia judicial com validade de cinco anos para fazer frente a uma dívida tributária antes mesmo de começar a tramitar a ação de execu
Adriana Aguiar
Uma empresa de grande porte conseguiu uma autorização do Poder Judiciário para oferecer uma apólice de seguro-garantia judicial com validade de cinco anos para fazer frente a uma dívida tributária antes mesmo de começar a tramitar a ação de execução fiscal na Justiça. A decisão foi proferida em um julgamento ocorrido na quinta-feira na 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Na ocasião, os desembargadores confirmaram, por unanimidade, uma liminar obtida pela empresa em outubro do ano passado. Com a liminar, que aceitou o uso do seguro-garantia, a empresa conseguiu renovar sua certidão negativa de débitos (CND), que estava com dias contados para expirar. Agora, com a decisão de mérito, a empresa obteve a confirmação de que ela pode usar o seguro-garantia com o prazo determinado de cinco anos.
O caso abre um importante precedente para as empresas, já que, com o uso do seguro, elas não precisam imobilizar seu caixa para garantir dívidas tributárias discutidas em execuções fiscais. De acordo com o advogado da empresa Maurício Faro, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, a câmara entendeu que esse prazo de validade de cinco anos é suficiente, "até porque se a Fazenda não ajuizar a execução nesse período o crédito tributário estará prescrito."
Embora o uso do seguro-garantia seja uma das possibilidades previstas na Lei nº 11.382, de 2006, que alterou o Código de Processo Civil (CPC), a possibilidade de utilização do instrumento para garantir execuções fiscais ainda sofre resistência de juízes, principalmente por conta do prazo das apólices. A Justiça não tem aceito a limitação do prazo, já que não se sabe quanto tempo durará a ação de execução, mas as seguradoras não querem fechar contratos sem um prazo de validade. A possibilidade de apresentação de um seguro-garantia judicial pode facilitar a vida financeira das empresas, já que nem sempre é possível fazer um depósito judicial quando a execução envolve valores mais altos ou oferecer bens à penhora, que podem não ser aceitos pelo fisco. A outra opção é o uso de uma carta-fiança concedida pelos bancos, instrumento que, em geral, tem sido muito oneroso para as empresas. Sem garantir a dívida, as companhias ficam impedidas de obter certidões negativas e, com isso, participar de licitações, por exemplo.
No caso da empresa defendida pelo advogado Maurício Faro, o seguro-garantia refere-se ao valor total da condenação administrativa, de cerca de R$ 15 milhões em dívidas de Imposto Sobre Serviços (ISS). Ele mesmo deve usar a decisão para defender o uso do prazo de cinco anos para uma outra empresa onde o processo administrativo já foi finalizado, mas ainda não há execução em tramitação. Ela optou por oferecer uma carta-fiança, mas com o mesmo prazo de cinco anos, que será avaliado na Justiça federal. Porém, o caso deve sofrer resistência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que já adiantou que a recomendação é pela não-aceitação de garantias com prazo determinado.
A resistência com relação ao uso do seguro-garantia tem sido ainda maior na Justiça federal. Segundo o advogado Marcelo Annunziata, sócio do escritório Demarest e Almeida, os juízes têm negado o pedido nos casos em que houve tentativas de oferecer o seguro-garantia ou substituir a carta-fiança pelo instrumento. "Ainda é um desgaste muito grande, que acaba não valendo a pena", diz. Grande parte dessa resistência, na opinião do advogado, está no fato de que o seguro-garantia foi regulamentado apenas por uma alteração no Código de Processo Civil, mas sem uma alteração na Lei de Execuções Fiscais. Com isso, alguns juízes entendem que o seguro não valeria para processos tributários. Há, porém, uma esperança de que o uso do instrumento se dissemine com o tempo, segundo o advogado, quando os juízes estiverem mais familiarizados com o seguro-garantia. Além dessa possibilidade, também há um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretende fazer diversas alterações na Lei de Execuções Fiscais, entre elas a de incluir o uso do seguro-garantia. "Assim, ficaria bem mais fácil para que esses pedidos fossem aceitos", diz Annunziata.
Enquanto essa alteração não acontece e persiste a insegurança dos juízes na aceitação de apólices, os advogados colecionam argumentos para convencer a Justiça dos benefícios do uso do seguro. Um deles refere-se ao fato de que a própria Lei nº 11.382, que regulamenta o instrumento, não exige tempo ilimitado de duração da apólice para que esse tipo de garantia seja aceito. Um outro meio de convencer os juízes, já utilizado pelo advogado Ricardo Fernandes, sócio do escritório Avvad, Osorio Advogados, é o de inserir expressamente em alguns contratos entre a empresa e a seguradora que esse seguro poderá ser renovado por prazo indeterminado, para que haja mais segurança em aceitá-lo. Além disso, ele argumenta que em tempos de crise o seguro-garantia ainda dá uma segurança a mais para o credor do que a carta-fiança oferecida pelos bancos. "Caso a seguradora não resista, o credor ainda pode cobrar a dívida do resseguro. Para a fiança bancária, não há essa garantia", afirma. Além dessa segurança a mais, o advogado Milton Lautenschläger, do escritório Queiroz e Lautenschläger Advogados, também entende que, mesmo que o executado deixe de pagar a apólice, a seguradora estaria obrigada a pagar a dívida segundo determinação do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Mesmo diante dessas argumentações, o advogado, que atua em São Paulo, afirma que a resistência dos juízes do Estado em aceitar o seguro-garantia também tem sido grande. "Essa decisão do Rio é importante para demonstrar que já há a aceitação do seguro com prazo determinado", diz. Ele também tem utilizado como precedente uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de agosto do ano passado que aceitou o uso do seguro-garantia, mas não fez menção com relação ao prazo.