O custo da informalidade

Manter as obrigações trabalhistas em dia ajuda a evitar uma série de problemas com a Justiça.

Autor: Lara ElyFonte: Jornal do Comércio

Manter-se informado sobre as obrigações trabalhistas e tributárias, cumprir as regras na totalidade e manter a documentação em dia nem sempre é o suficiente para evitar um passivo trabalhista. Mesmo o cumprimento de todas as normas não garante estar livre de problemas. Por isso, todo cuidado é pouco.

 

Para evitar futuras surpresas negativas, empregadores pessoa física ou jurídica precisam levar em conta uma série de fatores relativos aos encargos sociais. Geralmente, são tributos normalmente incidentes sobre os salários pagos, tais como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), décimo-terceiro salário, INSS, férias com adicional de 1/3, descanso semanal remunerado, entre outros.

Os tipos mais comuns de descumprimento dos direitos trabalhistas são a falta de registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado, o não pagamento das horas extras, deixar de recolher encargos sociais sobre a parte variável do salário, entre outros. Na prática, isso representa um valor que deverá ser cobrado mais adiante pelo empregado, via judicial, em razão do descumprimento das normas trabalhistas vigentes. A cobrança não é imediata, ou seja, o débito gerado somente se tornará exigível contra o empregador por meio de reclamação trabalhista junto à Justiça do Trabalho, fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego e do INSS ou atuação do Ministério Público Federal do Trabalho.

Caso ocorra uma dessas hipóteses, o valor total do débito será apurado junto às respectivas correções e atualizações, incluindo as multas previstas na legislação. Conforme o contador Marcelo Sobbe Lavies, que tem 30 anos de experiência na área de perícia e de assessoria empresarial, estar adaptado às leis trabalhistas não inibe que os empregados reclamem direitos. “A empresa pode pagar todos os encargos, mas não consegue fazer provar”, afirma. Segundo ele, a área de pessoal das empresas, que tem a responsabilidade de manter a guarda dos documentos dos empregados, necessita ser ágil para atender às demandas judiciais nos prazos fixados, geralmente curtos. 

E como andar na linha já não basta, para garantir a isenção de ações, o contador afirma que é necessário manter na empresa um ambiente de confiança de modo que os empregados saibam e tenham acesso aos critérios dos pagamentos. “Quanto mais transparentes forem os critérios e efetivos os controles, certamente haverá uma redução no ânimo de reclamar na justiça” afirma Lavies.

Segundo ele, o fato de o trabalhador não precisar desembolsar qualquer quantia para entrar na Justiça acaba motivando ações sem fundamento. “Não há nada contra o acesso gratuito à Justiça, pois é direito garantido constitucionalmente. Não fosse a gratuidade, não haveria tantos processos em andamento”, afirma. Uma alternativa para ajudar as empresas a diminuírem custos é a proposição de acordos coletivos, em que o empregado renuncia processar a empresa em troca de outros benefícios. 

O contador explica ainda que há muita diferença na forma como as pequenas, médias e grandes companhias tratam a questão de passivos trabalhistas. “Faltam gestores nessa área.” Conforme ele, além de algumas organizações estarem melhores estruturadas do que outras, os fatores geradores de passivos também dependem muito das pessoas, conhecimentos, rotinas e controles efetivos. “Nem todos estão no mesmo patamar de gestão e organização contábil. Uma pequena empresa até pode ser mais efetiva no controle dos passivos, pelo  menor número de empregados e situações legais a serem enfrentados”, explica.

Horas extras geram as principais demandas

As horas extras são a principal dor de cabeça dos empregadores. O contador Marcelo Lavies defende que cerca de 90% dos passivos baseiam-se neste quesito. “Os sistemas de controle e de contagem das jornadas trabalhadas nem sempre são compreendidos ou adequados às situações legais”, afirma Lavies.

 Entre outras causas estão os pedidos de diferença por equiparação salarial, diferença de pagamentos variáveis ou comissões.

Entre as áreas do mercado que contabilizam maior acúmulo de passivos trabalhistas, Lavies aponta os setores da construção civil e de comércio. Para ele, muitos profissionais que atuam nestas áreas veem na Justiça uma forma de buscar esclarecimentos sobre questões trabalhistas.

“Compreensível, por exemplo, que um trabalhador da construção civil, setor que emprega mão de obra com um nível de escolaridade mais baixo, não tenha compreensão de que está tudo correto com seu pagamento. Muitas vezes, ele procura a Justiça para tirar dúvidas e sai confortado”.

O contador acredita ainda que a alta rotatividade de empregados pode ser um sinalizador da ocorrência de passivos trabalhistas. Se a empresa mantém um quadro estável de empregados, já que a maioria dos processos se dá a partir da demissão dos trabalhadores.  “Se a empresa admite e demite muitos funcionários, a chance de ter maior número de processos é maior”, diz.

Gastos com processos são investimentos perdidos

A principal desvantagem do passivo trabalhista é que a dívida vai avolumando com o passar do tempo, comprometendo futuramente recursos que poderiam ser utilizados para investimento em melhorias e desenvolvimento da atividade econômica explorada. O alerta é da advogada trabalhista Roberta Aveline, da Salerno, Traverso e Kvitko Advogados Associados. 

De acordo com a legislação vigente, os créditos da questão trabalhista são privilegiados em relação aos demais. Assim, se houver diversas dívidas constituídas em nome da empresa, os valores relativos aos créditos trabalhistas têm prioridade de pagamento, de acordo com o que dispõe o artigo 83 da Lei 11.101/05.

As questões trabalhistas também não se restringem aos aspectos legais. Para Roberta, merecem destaque também as normas coletivas pactuadas pela categoria, representadas pelos sindicatos. Uma dica para evitar esses problemas é conhecer as principais questões que geram o passivo na relação de empregado e empregador. 

Conforme Daniela Bordignon, da Bordignon Advocacia, atualmente as empresas reconhecem que o passivo trabalhista atinge diretamente sua imagem no mercado. Portanto, o conjunto de reclamatórias é um dos elementos jurídico-financeiros administrados habitualmente com prioridade pelas empresas.

É possível evitar ações judiciais

A maioria das demandas trabalhistas reflete a divergência entre empregado e empregador em relação à jornada de trabalho e salário. Para Roberta Aveline, se a empresa observar rigorosamente o que a legislação estabelece a respeito do horário de trabalho do empregado e honrar o pagamento de salários, grande parte dos problemas que chegam ao Poder Judiciário seriam solucionados. 

Ela alerta que, para não ser demandado judicialmente, o empregador deve observar a legislação vigente, fato que costuma ocorrer somente mediante estabelecimento de conflito. “Os empregadores só resolvem tratar do assunto com seriedade diante da formação do problema, quando o melhor seria contar com um trabalho preventivo, com consultoria especializada antes que o problema se instaure”, afirma. 

Segundo a advogada Daniela Bordignon, para administrar eficientemente o passivo trabalhista é necessário haver conhecimentos básicos dos atos e fatos que geram ônus empregatícios, detectando suas origens, bem como os elementos de custos devidos, a fim de estabelecer política de prevenção ao combate do passivo trabalhista. 

Também o empregado é responsável pelo meio ambiente de trabalho sadio e estimulante. Para Roberta, cabe ao trabalhador zelar pelo fiel cumprimento de suas atribuições, pela convivência pacífica no trabalho e, ainda, deve se insurgir sempre que necessário contra irregularidades praticadas pela empresa, promovendo as medidas cabíveis para que o descumprimento da lei não fique impune, seja ajuizando demanda trabalhista perante o Poder Judiciário, seja procurando o Ministério Público do Trabalho para denunciar irregularidades. Daniela também chama atenção para o papel do empregado, que deve ficar atento ao seu contrato de trabalho, observando se este está efetivamente sendo cumprido nos seus exatos termos. Além disso, ressalta que é importante ter conhecimento da Convenção Coletiva de sua categoria, que prevê os reajustes, pisos salariais, benefícios, direitos e deveres de empregadores e trabalhadores.